Irresistível

•29/10/2013 • Deixe um comentário

Irresistível…

Acho que até hoje não consegui achar uma palavra melhor para resumir o que me vem à cabeça quando eu sinto sua presença próxima a mim.

O fato é que eu não resisto de forma alguma a você. Pode achar o exagero que for, eu sinceramente não ligo. Pode até ser que seja coisa de momento, algo que vá durar algumas semanas, uns meses ou até mesmo um ano, pode ser que seja questão de uso e desapego, pode ser que desencante depois que a mágica se fizer. Pode ser que eu seja louco e que tudo o que eu vejo na verdade é distorcido por uma lente criada pela minha própria vontade para satisfazê-la de modo pleno e mentiroso. Pode ser que você tenha sobre si algo tão poderoso – chame de mágica, química, personalidade, como quiser – que eu simplesmente não tenho barreira para erguer contra. Pode ser que seja absolutamente tudo que eu acabei de dizer, que para mim não fará a mínima diferença. Você é irresistível para mim e eu não consigo abrir mão disso. E nem quero.

Se for exagero, acho que é o exagero mais bem moldado da face da terra. Não tem como eu exagerar algo que é tão simples em sua existência e ao mesmo tempo tão complexo no modo pelo qual se desencadeia. Coisas paradoxais assim, quando exageradas, tendem a perder o seu sentido. Mas quando vem à tona você, eu e essa mágica que ocorre, mesmo tentando exagerar a coisa não perde um milésimo do que ela é, apenas se torna impossível exagerar algo tão bem encerrado em sua própria existência. Seria como tentar deixar uma linha reta mais reta, um círculo ainda mais circular… Sua atração sobre mim por si só já é o que é, não precisa que seja aumentada ou diminuída,  refeita ou desfeita, não precisa de interferências. Ela simplesmente ocorre e não há nada que a modifique, em tempo algo. E, se isso for um exagero, sinceramente não me importo em continuar exagerando assim, já que pelo visto funcionou perfeitamente até agora.

Se for algo de momento, creio que é o impulso mais forte e irrefreável que já tomou conta de mim. E não cito a palavra impulso de forma figurada: assim como um impulso alavanca uma força num momento inicial para que no momento seguinte a energia do movimento seja dissipada quase que instantaneamente, esse desejo meu que me arrebata e me força a querer você me impele a chegar mais perto, a te querer de todas as formas, de modo que eu fico ali, congelado, paralisado na eternidade do instante que se leva do deslocamento inicial até o fim do impulso, preso entre o início e o término de algo que por si só nasceu para o seu derradeiro fim. E mesmo que isso seja dissipado depois, mesmo que tudo acabe, mesmo que a magia suma, que a química acabe, que seu feitiço sobre mim desencante de maneira súbita, ficarão as marcas em minhas memórias de que um dia tamanha força tomou conta de mim, assim como a espada que fere um guerreiro por um breve instante, mas que deixa sua marca numa cicatriz tão eterna quanto memorável.

Se for loucura da minha parte, sinto em dizer a vocês todos que eu nunca me senti tão confortável sendo louco do que quando eu era visto como um comum, um são. Creio que, se for loucura, achei na vida o maior tesouro: o eterno vislumbre de algo que, mesmo os outros me dizendo que estou errado ou  fora de mim, aquilo pelo qual sinto essa atração de alguma forma é tão maravilhoso que vale a pena qualquer coisa para obter aquilo, até me sacrificar a pouca sanidade que restava. Sinto que, se for loucura, há nessa loucura um misto uma lógica fria e insensível com uma sensatez tão absurda para os comuns que eles se levam a crer que a frieza e sabedoria sobre um sentimento não pode ser tão grande se não for o nível mais baixo da consciência: a completa falta de vínculos com o real. Mas, mesmo que você não me queira mais, eu ainda sinto aquele desejo enorme de estar ao seu lado e te fazer bem quando assim você me dá uma brecha. Como pode tamanha certeza sólida e firme como uma rocha ser posta no patamar instável e quebradiço de uma loucura pueril e mundana? Loucos são eles! Se o caso é ser louco de verdade, abraçarei feliz minha condição de debilidade mental, sem reclamar.

Se for você e seu corpo, sua mágica e sensualidade, seu feitiço seu jeito, sua química e personalidade, se for você a fonte dessa atração e não algo simplesmente contido em mim ou na minha mente, creio que qualquer mulher no mundo iria querer estar no seu lugar. Tamanha força de atração sobre alguém, não só nos níveis amorosos ou sexuais, só foi atribuída antes na história a deuses e entidade sobrenaturais, a espíritos e demônios, a anjos e seres mágicos, coisas tão intangíveis que

Que me chamem de louco, de insensato, de ridículo, de maluco… São todos adjetivos tão bem recebidos por mim nesta situação que eu faço questão de incorporá-los inteiramente ao que eu sou e como eu ajo, tratando de deixar claro que naquele instante que eu faço isso por vontade própria, apenas para calar a boca dos intrometidos e satisfazer a opinião deles acerca do modo que eu ajo. Tenho plena certeza de cada ação minha, mínima e sutil que seja, pois premedito-as de modo a erigir um significado final a tudo a que elas prestam: idolatrar você. Não há uma saída para isto que não passe pela lógica irrefutável de que a irresistibilidade é por si só o horizonte final de qualquer resistência. A futilidade em criticar ou desmistificar esta máxima talhada na pedra é tão óbvia que seu sentido só pode escapar à percepção daqueles que nunca antes sequer vieram a experimentar um instante onde algo irresistível lhes passasse diante dos olhos.

E torno eu, mais uma vez, a tentar encontrar palavras outras que tentem resumir o que você é para mim. Mas não há erros nem descaminhos, pois eu sempre volto para a mesma conclusão.

Você é, para mim, irresistível.

O padrão é o que importa. A surpresa nunca vale a pena.

•28/10/2013 • 3 Comentários

Ansiava por coisas diferentes, mas hoje em dia mal anseio pelo mesmo, por medo dele diferir minimamente a ponto de me deixar com medo.

Há de se convir que as pessoas anseiam pelo novo assim como anseiam por alimento. Há aqueles que anseiam pela novidade, pela surpresa e pelo aleatório, como se estes lhe fossem oxigênio a inundar os alvéolos dos preciosos pulmões, e como se a tal irreverência de uma aleatoriedade – ironicamente premeditada – fosse lhes garantir algum tipo de diferença que não lhes fosse menos necessária que uma rotina e mais necessária que o próprio ar que eles respiram.

Notem como há um erro básico e crasso nisso: Nada há de mais básico e necessário à nossas vidas do que exatamente aquilo sobre o qual não exercemos controle algum.

Hordas furiosas de joviais – e por vezes já velhos – entusiastas da surpresa continuam a defender que o que lhes espera é o novo. Que o que lhes entorpece os sentidos é justamente a repetição sem fim de rotinas e padrões, de premeditações e ciclos sem fim de dia-a-dia, como se estes lhes fossem venenos crueis e ministrados a conta-gotas em suas finas e débeis veias, por carrascos como enfermeiras más, promotoras de uma expansão sem fim de sofrimento e ceifamento de suas liberdades. Há a vã crença de que no novo, na liberdade, há a libertação, ainda que tais palavras só estejam próximas por compartilharem, matematicamente falando, um número igual de letras em comum, e em algum momento dispostas de forma que as palavras soem parecidas.

Eis exatamente o erro destes que acreditam que há alguma forma de liberdade existente na aleatoriedade e na surpresa.

Estas, aos olhos daqueles que realmente são inteligentes, são exatamente aquilo que quebra a liberdade. Estas são exatamente aquilo que mina os esforços de homens comuns e preocupados com infindáveis problemas do mundo, e que encaram na aleatoriedade e na surpresa precisamente o que precisam combater de modo a criar algo mais estável que um castelo de cartas erguido por um infante entusiasmado ou que um castelo de areia porcamente erigido próximo demais de ondas furiosas em plena maré alta. A verdadeira vida não é – e jamais poderia ser – vivida próxima de aleatoriedades e padrões não demarcados, mas apenas numa forma de mundo onde linhas e retas fossem precisamente demarcadas e estudadas por fórmulas mais precisas que relógios atômicos e toda sorte de formulações matemáticas capazes de conter os mais altos níveis de entropia.

Mas, é claro, como sempre, os odiosos defensores da surpresa jamais descansam em sua odiosa tarefa de supor, diariamente, que o que eles fazem é, além de ser minimamente sério e sustentável, é, na melhor das hipóteses, algo válido. E aqueles de alma séria e coração calejado o sabem que jamais o seria.

Pois vejam: a aleatoriedade, agora já sem rodeios associada à surpresa tanto defendida, é exatamente aquilo que nos desprepara. Qualquer defesa do despreparo e da surpresa é hipócrita quando esconde que aqueles que a insuflam em seus castelinhos de areia sempre tem um ou dois planos b ou c escondidos em seus bolsos, cartas na manga tão infratoras quanto aqueles ases que os mitológicos cowboys de faroeste importado insistiam em esconder em suas roupas de modo a gerar combinações impossíveis de royals straight flushs que até o mais libertário dos defensores da surpresa julgaria indecoroso e ridículo de se manter. Pois bem, seus planos, tais quais os ases dos cowboys sem idoneidade, são exatamente aquela cereja do bolo que eles insistem em colocar no final da mistura, mas que não passa de uma forma ridícula de esconder que eles mesmos seriam incapazes de esconder a insatisfação perante uma surpresa que eles mesmos não estivessem esperando.

A verdade é apenas esta: a surpresa só é interessante quando é esperada. Afora este mundo específico de probabilidades, toda surpresa tem capacidade plena e inexorável de destruir e de magoar, e esta é uma realidade que inutilmente tentam os defensores da aleatoriedade defender, como se pudessem mascarar que num dado de seus lados houvesse mais do que seis probabilidades estáticas de realização. potencialidades definidas as quais eles teimam em esconder.

E, por qual motivo ou falo isto? Esperar uma surpresa de uma chuva inesperada a banhar o rosto é tranquilamente aceitável, quando não belo pela poesia de se esperar que os inúmeros pingos de chuva signifiquem uma melodia, eles mesmos ou em seu conjunto inesperado e belo, úmido e renovador. Esperar que um cachorro perdido de rua dê uma focinhada em sua panturrilha desavisada não só denota a beleza de um gesto belo de carinho perdido como esconde a potencialidade de um mundo a ser explorado, onde o afeto possa ser distribuído por ai entre seres que jamais o experimentaram verdadeiramente até aqueles que já o anseiam por tanto tempo quanto vivem – ou até mais, se você acreditar em transcendências. Eu poderia citar até mais quatrocentos e noventa e sete bons exemplos e deixar-vos na expectativa de fechar o número com um quadrigentésimo simbólico e relaxante, mas não seria necessário. Todos eles seriam exemplos menores de como a surpresa nos é apenas e tão somente boa quando ela é menor. Ela só nos é – potencialmente – boa quando não afeta mais do que sentimentos periféricos. Pensamentos automatizados por modos centrais de agir de nosso ser, instâncias primitivas de nosso desenvolvimento que reverberam através de estruturas periféricas e limítrofes do psiquismo, o próprio contato entre o que somos e o mundo selvagem e inexplorado, misterioso e perigoso que nos cerca; todos estas são as mínimas formas de afecção que a aleatoriedade pode fortuitamente ser capaz de gerar algo de bom. Todo o resto, tudo aquilo que nos escapa a mera consciência e volição, está fadado a ser destruído pela surpresa.

E por qual motivo eu defendo esta bandeira tão irrestrita contra uma mera defesa daquilo que nos surpreende?

Pergunte àqueles que defendem aleatoriedades e surpresas se gostariam que suas rotinas mais enraizadas fossem obstruídas. Perguntem sem gostariam que suas sobremesas favoritas viessem algumas vezes podres, que seus passeios favoritos fossem interditados por obras empoeiradas e sem fim, que suas roupas favoritas fossem colonizadas por fungos bolorentos e incapazes de ouvir nosso mais sincero pedido para que se retirem. Nada disso resistiria quando a surpresa e a aleatoriedade, o inesperado cruel, avançasse sobre nossa incapacidade de esperar que estes fossem dominados pelo que nós não queremos que aja sobre nós. Quando a aleatoriedade invade o padrão, instala-se o caos e o desespero. A rotina é sempre atacada como a vilã, quando na verdade ela é exatamente aquela donzela que mais precisa ser resgatada da torre distante guardada pelo feroz dragão, guarnecida pela pior sorte de armadilhas e instrumentos voltados para a falha do heroi – supondo que algum heroi da nova era seria portador de coragem o suficiente para defender tão entorpecida causa quanto a rotina.

Por isso eu defendo que a verdadeira vida é aquela que defende padrões, e não aleatoriedades: vivemos todos a enaltecer e idolatrizar padrões. Defendemos apenas hipocritamente a surpresa quando ela nos serve para quebrar o pouco de marasmo que nos gera uma rotina segura. Culpamos, de forma cruel, a torina, por uma falha que é nossa: qual seja, a capacidade de sair minimamente da rotina e dar uma saracoteada breve fora do que nos torna seguros. Ao invés disso, culpamos exatamente a cabana que nos protege de nos impedir de sentir a chuva, quando na verdade a culpa é nossa de não ir lá fora tomar na cara alguns pingos de chuva arriscando o resfriado. Preferimos culpar a cabana, nossa proteção, do que assumir a culpa de nossa omissão: somos incapazes de dar três passos para fora da segurança sem antes culpar a estrutura que nos protege, querendo nós ou não. E falo coletivamente, como um grupo de medrosos ensinado assim, e não como indivíduos amedrontados isolados.

Não há muito o que defender. Aqueles que acham bonito serem surpreendidos são precisamente aqueles que nunca foram surpreendidos da pior forma. Uma morte, o distanciamento de um amigo, ou a perda de um muito estimado amor.

Eu, como pertencente à este último grupo, fico comigo, sozinho, entocado em minha cabana.

Prefiro não sentir os pingos da chuva do que arriscar, novamente, perder algo que eu tanto estimo. 

A surpresa não vale a pena. Nunca valeu tanto a pena. 

Que se fodam as rosas.

•15/08/2010 • 2 Comentários

Uma vez outras me disseram que me amavam. Uma vez.

Nunca na vida isto chegou perto de ser verdade. Sabe porque? O amor simplesmente não existe. Nada mais é do que um amontoado de reações químicas simultâneas que te fazem pensar que você precisa de outro ser vivo que não seja você. O amor não é nada mais que a ação de meia dúzia de moléculas, feromônios que ativam o desejo de cópula não mais do que momentâneo. O amor nada mais é do que uma tradução bizarra e absurda de um simples mecanismo evolutivo feito para que os machos e fêmeas da espécie humana fiquem juntos tempo o suficiente para que a prole advinda da cópula seja criada, alimentada e ensinada a ponto de sobreviver sozinha. O amor não passa de um trânsito desordenado de neurotransmissores levando a informação errada para o lugar errado, disparando cascatas de sinalização celulares capazes de emburrecer e tornar um organismo egoísta e independente um ser dependente de contato, toque, atenção e, principalmente, mais daquela droga em forma de sentimento, o amor.

Amor não existe. Eu me convenci disto da primeira vez que tive meus sonhos destruídos.

Tudo o que você produz, todos os pensamentos e energias que você redireciona para um só ser que não é você, todo o esforço gasto para mendigar mais alguns milésimos de atenção, tudo aquilo que você inutilmente faz para chamar a atenção da pessoa que você ama, cada maldito e infeliz centímetro que você gasta se deslocando da segurança e conforto da sua casa em busca de mais um modo de criar algo ínfimo e ridículo, mas que seja o suficientemente capaz de causar a curvatura momentânea nos lábios do objeto de seu desejo. Tudo isto não passa de um esforço inútil, uma inutilidade biológica, um absurdo etológico. É a suspensão e o sacrifício de todas as faculdades mentais capazes de gerar em cada um de nós o mínimo de bom senso necessário para perceber que não há alma neste mundo que valha mais do que a sua. Tudo isto é uma forma estranha e cruel de auto-flagelação, um constante torturar-se, um infinito processo masoquista de busca incessante e improdutiva de conseguir se fazer feliz por meio da felicidade de outro.

A cada vez que eu desistia, um novo amor me aparecia. E eu me agarrava a esta oportunidade como um doente terminal a uma cura fantástica.

O problema está justamente em acreditar que um novo amor pode curar o antigo. Basta dizer que a velha frase “Tudo passa” é uma lei tão certa quanto a certeza única e inegável de que vamos morrer todos um dia. O amor um dia sempre acaba, e ele tem a infeliz capacidade de gerar sentimentos tão negros e nefastos quando vai embora que deveria ser necessário que cada um de nós tomasse uma dose amarga de consciência injetada nas veias após cada copo doce e fatal de amor. O saldo nunca é positivo, as coisas sempre terminam da maneira mais terrível para um dos lados, e de uma maneira um pouco menos pior pro outro. Sempre quem sai perdendo é aquele que ainda ama, e quem já não ama mais precisa suportar o fluxo constante de sentimento que ainda cai sobre ele, mas que é desperdiçado e jogado no chão, como restos podres de algo que um dia fora bom, nutritivo, capaz de deixar algo ou alguém feliz. O amor sempre sobra, e quando amargura passando da validade, vira ódio, raiva, tristeza, depressão e, sobretudo, sofrimento, que marca fundo em cada um feridas no coração que jamais cicatrizam.

O meu problema era achar que a cada novo amor, esse amor seria o anjo que me resgataria. Só que eu esqueci que anjos não causam tentação.

Anjos não existem. Nada virá te salvar quando você estiver solitário e desesperado, pedindo por uma mão, por um pedaço mísero que seja de atenção. Nada virá te socorrer, a não ser aquela torrente maligna de sentimentos vis que sempre retornam. Tu só encontras como abrigo para a tempestade de dor que castiga sua vida um punhado podre e entorpecido de  sentimentos, recorrentes e astutamente preparados para lhe acudir quando você mais precisa de qualquer outra coisa, menos deles. Dessa maneira, o que parecia ser apenas o fundo de um poço se revela um túnel cada vez maior e mais largo. Ele vai cada vez mais fundo, mergulhando em águas de desespero que você jamais achou que pudesse ser capaz de respirar dentro, e cada vez mais capaz de comportar teus medos, inseguranças, decepções e amores perdidos. A bagagem de sofrimento apenas aumenta, e o peso sobre você é tamanho que você desfalece e cai, juntando-se a uma multidão de corpos como os seus, abandonados e esquecidos pela dor da perda de um amor tão falso quanto as promessas de salvação que eles traziam consigo.

Dessa forma, eu sofri o que ninguém jamais acha que vai sofrer. E demorei a aprender a lição.

As pessoas demoram a aprender uma lição, seja ela qual for. O amor não existe, é um esforço inútil, um saldo eternamente negativo, uma esperança vã e ilusória. Não adianta esperar que em seu jardim cresçam rosas quando você só vê pragas, ervas daninhas e terra seca e estéril. O máximo que conseguirá serão flores conspurcadas, irônicas, zombeteiras com seus fracassos, apenas te lembrando que você nada mais faz a não ser vender mais um pedaço da sua alma em busca de mais uma tentativa de salvação, e acaba por perdê-lo nas mãos do seu mais novo “amor”. Quando você ama, você se dá a alguém, um pedaço seu fica com a outra pessoa. Esse pedaço é irrecuperável, e faz você ver, depois de muito tempo, o quanto perdeu durante o tempo apaixonado. Teu reflexo no espelho se distorce, você se torna irreconhecível. Por fim, o que você achava que era um jardim não passa de um duro solo de cimento frio, seco e estéril, assim como seu coração. Assim como seus sentimentos. Assim como sua vida.

Não há ninguém para ouvir seu choro. Ninguém se importará se você sofrer. Amor não existe. Ele nunca virá para te salvar. Todos viemos para este mundo sozinhos, e é sozinhos que partiremos, sem chance de ser diferente. Caso contrário, chegaríamos com alguém do noso lado, mas isto nunca aconteceu. Não acontece. E não vai aparecer.

Cabe a você apenas esquecer o que aconteceu. Fechar seu coração, enegrecê-lo, torna-lo gélido e inacessível, para que nunca mais caia no mesmo erro de antes.

Foi o que eu fiz. Abandonei de vez a sucessão de falhas que era minha vida.

Amá-la era perda de tempo. Amá-la era dor.

Que se abram as portas de uma nova vida, sem mais fracassos e esperanças malignas. E que se fodam as rosas, eu não preciso de amor.

O meu amor…

•20/06/2010 • 1 Comentário

… não deveria existir.

Culpe-me se realmente quiser ou se sentir alguma necessidade, eu não me importo. Fato é que meu amor não deveria existir.

Mas ele existe, e eu fico às voltas com isto.  Algo que deveria ser sublime, belo, algo que deveria ser comparado até memso a uma instância divina de existência e manifestação, algo que deveria ser a demonstração suprema e irrestrita de devoção e lealdade, aquilo que tem sido, é e será por muitos anos o assunto de todos os poetas divinamente inspirados, o assunto das mais belas donzelas,  o objetivo de vida de cada alma solitária, aquilo pelo qual lutam os homens, combatem os heróis, traem os vilões, aquele sentimento que já derrubou reis, que moveu exércitos, que criou e acabou com países e povos, aquilo que faz um homem se perguntar o porque dele ainda estar ali, existindo, o que faz alguém se sentir importante em meio a este imenso universo que beira o infinito. O mesmo amor que inspira, que causa felicidade, compaixão, alegria, mesmo amor que eu ouvi que existia desde que eu era pequeno, não passa de uma grande farsa.

Uma farsa, uma falácia muito bem disfarçada e posta atrás de panos e engodos, uma mentira extremamente bem articulada, que já foi contada tantas e tantas vezes que agora nem mais só uma verdade é, mas passou a ser aquilo que move, cegamente, cada alma, e lhe serve de combustível para o inexorável caminhar rumo à decepção e mágoa. O amor que eles clamam ser divino, ser superior, ser capaz de mudar o homem para melhor e despertar nele o lado bom, não passa na verdade de um veneno, uma praga, uma doença que impregna cada um que resolve acreditar nela, uma infestação que macula as mentes inocentes dos que se desesperam por uma companhia que garanta que sua estadia breve e dolorosa neste infeliz e amaldiçoado mundo seja um pouco menos sofrida e um pouco mais brilhante. O amor na verdade conspurca cada pedaço de bondade e inocência na mente dos homens, enegrecendo-as e cegando-as, deixando apenas um pequeno, mas irritantemente invencível, pedaço de esperança, a pior parte da existência humana.

O amor é o sentimento mais traiçoeiro, as sombras da psique humana, a única força capaz de tornar alguém dependente de outro alguém de uma maneira tão forte que se torna uma necessidade patológica, uma doença psíquica, um vazio doentio e absurdo,algo que nem ao menos deveria existir. O amor deixa as inteligência de lado e promove uma estupidez de espírito e raciocínio digna de nota, que chega até a tirar o fôlego daqueles poucos sensatos e bem intencionados que observam os apaixonados tomando suas decisões e seguindo seus caminhos tortuosos e sem volta. Amar é como navegar num navio sem leme e botes salva vidas, onde você não é o condutor, e as bússolas estão avariadas. Mapas não existem, apenas uma indicação falha de onde você talvez vá chegar. Suas velas estão velhas e furadas, e o vento cada dia sopra menos. Tudo conspira para o dia fatídico onde você se vê sozinho num barco que na verdade não navegava, apenas estava à deriva. O otimismo da viagem a princípio cega o bom senso e faz parecer que o vento voltará a soprar, que a vela tem conserto, que a tripulação está escondida e que não é necessário um leme. Mas ai você se descobre abandonado, sem forças e sem razão para continuar.

Eu sou mais um náufrago que ficou à deriva no mar depressivo e enganador por onde os navios do amor navegam. Me descobri só e fraco, abandonado e sem motivos para viver, e desde então o que me sobra é remoer o tempo perdido nessa vida, que se mostrou ainda mais sentido depois que eu perdi a única coisa que eu um dia já pensei em dar valor mais do que minha própria e tão mal vivida existência. Tudo isto por culpa do amor, que me impediu de ver onde eu estava. Amando, eu pisava nas mais ardentes chamas e queimava meus pés no mais quente fogo, mas mantinha minha cabeça erguida, alcançando as mais altas nuvens e enxergando os cumes inacessíveis. Agora, sozinho, eu sofro as queimaduras incuráveis, e ainda me sinto sem ar por respirar um ar tão rarefeito que quase me fez morrer.

Ela me deixou, e não foi por algum motivo gerado por algum tipo de erro ou ação minha. Ela me deixou apenas porque é do amor esta fatalidade de um dos lados sempre ser o abandonado, e o outro sempre aquele que abandona. É do amor causar os corações partidos, assim como é do amor garantir que pelo menos um deles saia intacto e inteiro, para que o ciclo se repita tantas vezes quanto forem possíveis. É do amor essa natureza maligna e infernal, que enegrece a alma dos homens e lhes traz o único alívio momentâneo para a dor da perda e do abandono. É no ódio e na amargura, é no ardor da raiva e na necessidade de vingança que jazem as drogas capazes de inebriarem os sentidos dos largados e deixá-los um pouco menos mal. A força motriz do corpo sem alma e esquecido se torna a chama escura que queima os corações despedaçados, gerando o movimento a caminho da retaliação e depressão. No fim, o que sobra é sempre um homem vazio, despedaçado, com a alma lacerada e com um corpo que não responde, que não se move, que não apresenta nenhuma ação. O fundo do poço é onde eu estou, e o fundo do poço é de onde eu jamais sairei.

Ninguém ousa descer tão fundo. Ninguém que não tenha estado num poço tão ou mais profundo jamais ousa descer tanto em instâncias tão inexploradas da vida a ponto de olhar para um ser esquecido como eu. E não me importo de estar parecendo extrapolar uma singularidade de uma vida para o âmbito da generalização e das leis universais. O que aconteceu comigo me basta para ser suficientemente verdade a ponto de me garantir uma lição que não deve ser jamais esquecida. O amor dói, o amor marca, o amor deixa feridas abertas que sangram até secarem seu corpo, e então se fecham para que nunca mais nenhum sangue quente entre nele, matando você e te tornando um cadáver fétido e lentamente pútrido, te tornando nada mais que um farrapo distorcido e mal cuidado, um pedaço ínfimo do que você um dia vislumbrou ser. Eu hoje não sou nada além disso, e ainda entendo que o abandono dela foi o fim da minha vida.

Uma carta que não deve ser lida, contendo um texto que não deveria ser escrito, por um remetente que não esqueceu seu passado, para um destinatário que não será postado. Uma verdade que não deve ser revelada, um sofrimento que não deveria ter permanecido contido, uma solidão que não deveria ter sido tão prolongada, uma salvação que poderia ter sido executada. Um amor que não foi correspondido, um homem que não tem mais lágrimas para chorar uma perda.

Eu ainda amo você…

Mas o meu amor não deveria existir.

Eu te amo!

•25/04/2010 • Deixe um comentário

Sim, eu te amo!

Eu te amo, meu amor… Eu te amo, eu sinto todo o amor do mundo por você! Eu te vejo passar e fico pasmo em perceber que não há nada no mundo mais belo que você! Tuas passadas leves e furtivas, teu sorriso encantador e apaixonante, teus cabelos esvoaçantes e sedosos, seu olhar sedutor e misterioso, que revela apenas para quem te entende a mulher sensual e atraente que você é! Esse teu corpo tão belo e curvilíneo, tão perfeito que parece que foi esculpido para ser a morada do pecado, da luxúria e da tentação. Ah, e tua voz, essas palavras que você profere num tom sussurrante e provocante, que atravessam o ar até meus ouvidos como se fossem apenas palavras inocentes, mas que na verdade são as instruções para o caminho da perdição… O movimento do teu corpo,de tuas mãos, braços e pernas, a perfeita sincronia hipnótica que em faz esquecer por alguns instantes de que você é tão mortal como eu, mesmo sendo bela e divina como uma deusa! Mulher, se tu soubesses o quanto eu te amo por cada um desses detalhes!

Eu te amo,e não tenho medo de admitir isso! Jamais, pois não há nada que inspire em alguém tanto amor como você esse teu jeito sedutor. Ah mulher, tu já sabes que eu te amo, só não tem como saber as medidas desse amor tão grande! Essa paixão que devasta o meu ser! Que me consome, que acaba comigo, esse fogo que causa um incêndio em minha alma, que cada vez que se alastra por um novo pedaço de mim acha mais combustível para continuar queimando… Esse desejo intenso e incomensurável, que cega minha razão e me dota de forças até então inexistentes! Essa força mais que divina que me impulsiona a querer estar sempre cada centímetro possível mais perto de você, apenas o suficiente para poder te ver passar todo dia, como se estivesse eu assistindo de camarote a apresentação da mais bela dançarina das terras mais longínquas, a odalisca misteriosa e bela que roubou o meu coração de homem deslumbrado!

Eu te amo, e eu me sinto bem com isso! Esse amor que eu sinto por você me inspira, me faz querer que o meu melhor sempre apareça para todos, apenas para provar que minha alegria e felicidade vem por sua causa, a estrela solitária que brilha imponente no meu céu escuro e sombrio! Você se tornou a minha estrela guia, minha bússola, meu mapa, minha guia através das trevas que cercavam a minha vida! Você me salvou de um abismo profundo gerado por mim mesmo, você preencheu cada espaço, cada canto, cada fresta e buraco, cada possível lugar vazio que ainda existia na minha antiga vida sem sentido. Você deu a cor à tela em preto e branco, você delineou os traços outrora selvagens, você lapidou o diamante bruto. Você, e só você, foi capaz de melhorar o que até então parecia sem perspectivas e sem propósito, aquilo pelo qual nem eu mesmo lutava por, mas que agora eu faço questão de tornar melhor a cada dia. Você mudou minha vida!

Eu te amo! Ah, e como isso soa tão bem… Como é bom deixar escapar pelos meus lábios essas três palavras toda vez que eu falo contigo… Como é bom saber que você escuta meus sentimentos! É reconfortante para mim saber que a minha musa, aquela que me inspira, que torna meus dias mais iluminados e alegres, minha deusa infinitamente bela e caprichosa, aquela que eu amo, sabe do que eu sinto de mais profundo e verdadeiro, do fundo do meu coração. Como é bom, e eu repito porque isso me deixa mais feliz, saber que você existe, já que assim eu sei, a cada segundo que passa, que o amor que eu sinto tem sentido e propósito, e que tudo que eu faço eu faço pensando em como eu posso agradar você de uma forma nova e diferente, de um jeito que me faça conseguir arrancar mais uma vez mais um daqueles teus sorrisos inebriantes e  inigualáveis.

Eu te amo! E sem medo de que os outros me achem estranho ou louco! Eu te amo e sei que você sabe que esse meu amor por você é sincero e puro, livre de quaisquer outros motivos que me levariam a tal sentimento. Eu te amo porque você é uma mulher forte, poderosa, sensual e intrigante, eu te amo porque você é você, e sendo assim se torna irresistível para mim! Você meu vício, a droga que eu escolhi para me viciar! E pouco me importo se achem isso exagerado ou anormal, pois eu sei que por mais que eu escreva, diga, grite, fale, simbolize ou expresse, não há modo de tornar inteligível esse meu sentimento por você, apenas posso pensar em demonstrar ele com um beijo, aquele que eu tanto quero te dar desde que vi sua face bela e incrivelmente linda atravessar a minha vida.

Eu te amo, mulher! Tenho aqui comigo guardado cada momento que passamos juntos, cada instante que eu te fiz sorrir, cada instantes em que você me fez sorrir, tanto por me deixar feliz como por apenas existir e estar em minha vida. Agradeço por cada instante que você esteve ao meu lado, pois só nesses momentos eu me sentia pleno, livre, um homem de verdade, do lado da única mulher no mundo que, para mim, é verdadeiramente bela e perfeita. Cada memória do tempo em que estávamos juntos, cada vez que você também disse que me amava, isso tudo está no fundo do meu coração, para jamais ser esquecido ou sequer deixado de lado.

Eu te declaro o meu amor com esta confusão de palavras, malfadada a se esvair com o tempo em meio a qualquer profusão de papéis ou outros textos que possam haver por ai… Mas não me furto o direito de te fazer apenas uma pergunta, já que me vejo no direito de saber da minha donzela a resposta para tal indagação.

Porque você me deixou?

Insanidade

•18/04/2010 • 4 Comentários

Eu os vejo passar, aos montes, em suas marchas cegas para todos os lados, sem bem entender o que eles querem fazendo aquele roteiro demasiadamente idiota de sempre. Eu os vejo ali, presos em suas próprias mentes, como se fossem escravos de um corpo que tentam manter à todo custo, mesmo sabendo que o destino inevitável da vida é a morte, sem escapatória. Eu posso ouvir os gritos dos desesperados que irrompem do meio da massa amorfa que é o mundo deles, os berros de horror daqueles que tentam escapar à todo custo do mau que eles mesmos criam, mas que a eles é travestido como uma bondade inquestionável, um padrão, uma norma insensata. Eu, por uma decisão unânime, sou louco.

Eu sou louco, sim. Eu sou louco, maluco, lunático. A insanidade deixa de ser um ente metafísico e em mim toma a forma física, quase como um hormônio, um nutriente, até mesmo o sangue que percorre rapidamente as minhas veias a cada instante, se renovando à medida que o tempo passa. Eu sou excêntrico, estranho e imoral, de uma repulsividade tamanha que chega a assustar a todos apenas com um olhar de relance. Eu sou doente e inconsequente, eu sou o portador do medo que eles sentem, eu sou aquilo que eles mais temem. Nunca me foi dado o direito de escolha, eu apenas sou o que sou, insano.

Eu vejo corvos por todos os lados. Eu espanto os corvos com meu vestuário e minha atitude absurda de espantalho. Eu sinto ódio e me deixo levar por ele, não sinto pena. Eu amo e sofro por isso, sem desistir de tentar achar minha salvação plena. Eu aponto para onde quero mesmo que não queiram saber, e tento seguir meu caminho mesmo quando não me deixam tentar. Eu sou a contravenção do que eles são, eu sou o que eles não querem que eu seja. Eu não posso ser, pois sendo, isso se torna uma afronta em potencial aos costumes deles. Eu não tenho quem quero, eu não tenho o que quero, eu nada tenho. Nem quem me ajude, nem quem me suporte, nem quem me escute, nem quem me entenda. Eu apenas estou aqui, lutando com minhas forças decadentes contra o caos que se abate neste mundo de ninguém.

Eu escuto sinfonias perversas que contam histórias variadas sobre pessoas que nunca existiram. Eu leio livros que constroem o meu ego distorcido e deles tiro minhas morais, contrariando aqueles que preferem absorver sua moralidade de fontes completamente absurdas e aberrantes. Eu conspurco a vida deles escrevendo manuscritos detentores dos ideais que mais fazem parte do meu ideário, perigosamente registrando a minha doença em receptáculos que, se lidos ou passados adiante, gerarão outros como eu, diferentes na essência e excluídos na prática, renegados por um povo que deveria acolher e incentivar as particularidades.

Eu vejo anjos que sobrevoam os meus sonhos e demônios que bloqueiam as saídas. Eu vejo o céu em meus delírios e o inferno queimando em minha vida. Eu imagino o doce sabor do prazer e sinto na carne a dor do sofrimento. Eu procuro a salvação enquanto sou jogado no caos, ao relento. Minhas palavras seduzem os diferentes, que mesmo encantados com o que eu escrevo logo se lembram do seu autor absurdo, levando consigo suas consciências infectadas por mim, mas afastando seus frágeis corpos mortais da proximidade com a minha tão maculada existência. Aqueles que simpatizam com o louco que vos fala sempre se lembram de colocar ressalvas o suficiente em sua abordagem para que, se em último caso o contato for demasiadamente intenso, eles ainda achem o caminho de volta antes que a escuridão da minha loucura abrace sem dó a decadente chama de sanidade que eles mantém consigo. Sou eu as trevas da perdição e eles a luz da mente sã ou o contrário?

Eu sou diferente e anormal, de uma forma que não consigo ser nem ao menos aguentado por aqueles que tentam se aproximar. Eu consigo combinar tantas particularidades e defeitos que tenho em mim pelo menos um motivo de repulsa existente para cada pessoa que me olha, de modo que a perfeição, mesmo relativística e moralmente ajuizada se torna, em mim, uma utopia tão distante quanto me parecer ser a felicidade plena. Eu repito tantas coisas na minha vida que, apesar de ser aleatório como o universo, torno-me previsível como um dado viciado. Eu estou sempre ali, na vitrine dos sãos, no zoológico deles, na sessão de aberrações, cercado por vidros grossos e barras de ferro inquebráveis. Jamais fugirei de ser rejeitado, pois enquanto eles me rejeitam esquecem que na verdade não é a minha loucura que os incomoda, mas sim a sua própria sanidade. Eu posso até ser o problema, mas ironicamente eu sou a solução.

Eu crio melodias insanas em minha mente distorcida, eu tenho uma orquestra em minha consciência que vive abastecendo meus ouvidos initerruptamente com sinfonias malignas e músicas absurdas, uma profusão de notas tão intrinsecamente aparentadas com a loucura que apenas um louco poderia entendê-las. Eles apenas tentam, uns se simpatizam com a música do mal, mas apenas eu tenho a capacidade de interpretá-la como real. A música é o reflexo do que eu sou, e eu sou o reflexo do que a música é. Todas as vozes da minha cabeça, as que falam comigo, mas que são parte de mim, as que sou eu, as que cantam com a música, todas elas me fazem ser tão louco que chego a invejá-los até quase o ponto de fazer desistirem de seus pontos seguros no olho do furacão, mas eles nunca tem coragem o suficiente de viver em meio aos ventos, curtindo o perigo incerto e intenso da aleatoriedade e insanidade.

Eu sou fruto apenas do que eles institucionalizaram como sendo proibido, errado e imoral. Eu sou, na verdade, apenas enquanto eles forem o oposto, pois sem mim eles se esquecem o que não pode ser feito. Na mais absurda das ironias eu sou a manutenção dos parâmetros estranhos deles, eu sou a tabela que se checa na hora de terminar o projeto, a tabuada pronta no lápis na hora de terminar a equação, o exemplo do que não deve ser feito para continuarem a executar seu infindável plano de continuismo dessa bobagem irreal que eles chamam  de vida.

Eu sou louco, até mesmo agora, enquanto escrevo estas palavras. Eu posso ouvir os ecos pelas câmaras da minha mente, entrando pelos meus ouvidos e diminuindo mais ainda meu ser a um pouco menos do que nada. Eu sou louco, mesmo quando estou longe deles. Perto eu sou intolerável, longe eu sou repulsivo. Não há como escapar do estereótipo, pois ele não é inerente a mim, mas sim existente apenas na cabeça deles. A loucura na verdade não existe, é uma invenção tão bem planejada que toma ares de ser quase existente. Um delírio coletivo que toma formas na realidade impossível deles. Uma mentira, que foi contada tantas vezes que deixou de ser apenas verdade, mas que se tornou lei, regra, instinto, programação.

Eu sou louco. Insano, maluco, lunático. Absurdo, aberrante, irreal, impossível. Doente, estrranho, diferente, excêntrico, insano.

Mas, eles também não são?


Sacrifício

•28/02/2010 • 1 Comentário

Ela corria para o destino dela. Estava extremamente atrasada. Mantinha em mãos apenas o celular dele, que ficara com ela devido à corrida e à confusão da última briga. Segurava o aparelho com força, já que ele tinha dito para não deixá-lo cair de jeito nenhum. O seu coração batia muito forte, de modo que não conseguiria aguentar mais aquela corrida por muito tempo. Parou, então, subitamente, encostando-se à uma árvore, curvando o corpo Estava muito ofegante. O suor corria por sua pele levemente morena, seguindo o contorno do seu rosto lentamente, indo parar na ponta do pequenino nariz, ligeiramente arrebitado. Isso a fez sentir cócegas, levantando a mão para coçar, olhando para o céu sem querer.

O tempo estava fechando. Nuvens negras cobriam os céus como um manto, seguindo uma marcha lenta e irrefreável. Ela ficou mais nervosa, já que uma chuva agora só a atrapalharia, ainda mais forte como parecia que viria. Tinha que correr o mais rápido que podia para o aeroporto, já que o voo não esperaria por ela, e ela tinha que pegá-lo. Bufou de raiva e então tirou os tênis, segurando-os pelos cadarços com seu dedo indicador. esquerdo. Apertou com força contra o corpo a bolsa que segurava e ajeitou a enorme mochila que estava em suas costas, e voltou a correr, procurando evitar buracos ou outras coisas perigosas. Precisava correr antes que descobrissem ela.

Olhava para os lados apreensiva. Tinha muito medo de estar sendo seguida. Odiava com todas as forças que tinha o fato de ser filha de um importante juiz daquela cidade. Era algo tão ruim para ela que tinha que viver cercada por seguranças, para onde quer que fosse. Tinha que ter os amigos fichados por detetives previamente contratado. Tinha que ter a vida monitorada 24 horas por dia. Mesmo ela sabendo que tudo isso era para o seu bem, ela preferia que fosse diferente. Preferia ser pobre. Ter uma vida mais limitada, mas muito mais livre que esse cárcere no qual ela vivia.

Os seguranças não a deixavam fazer nada. Implicavam com tudo. Eram boas pessoas, dedicadas ao trabalho, mas infinitamente exagerados e super protetores. Os tais detetives as vezes exageravam também. Numa dada vez os seguranças implicaram com um garoto estranho, para chegarem a revistá-lo, só para ver que ele carregava uma arma de brinquedo na mochila, parte de um jogo de videogame. Por último, o monitoramento de sua vida impedia que ela conhecesse pessoas novas, já que demorava para os tais detetives levantarem a ficha do sujeito. Mas o pior não era nem isso.

Ela havia se apaixonado por um garoto da escola, que  havia conhecido não faziam nem dois meses. Fora algo à primeira vista, avassalador. O pequeno coraçãozinho daquela adolescente não conseguia aguentar tanto amor. Sorte a dela que fora algo recíproco. Ele, o garoto, admitiu já estar de olho nela há um tempo. Quando finalmente conseguiram se encontrar -escondidos, diga-se de passagem – declararam-se um para o outro. A felicidade de finalmente ter um namorado, alguém com quem pudesse dividir suas mágoas e alegrias, mesmo que essas sendo escassas, foi o suficiente para ela mal ligar para a briga que teve com o pai por ter ido escondida para o encontro.

E, infelizmente, justo o que havia dado a ela a felicidade que faltava em sua vida lhe trouxera também a maior das suas tristezas.

Depois daquele dia, a vigilância ficou mais intensa. Os detetives do pai dela resolveram levantar a ficha do tal “namorado”. O pai, além de brigar com ela, começou a implicar com o novo namorado, dizendo que, além de ser perigoso ter uma relação tão íntima com um estranho, ela ainda não tinha idade – tampouco permissão – para começar a namorar. Isso a deixou tão mal que a única coisa que pensou foi em ir encontrar o namorado.

Este fora o segundo passo dado por ela para o desastre em sua vida.

No dia que resolveu sair para vê-lo, de surpresa, foi assaltada na rua. Mais que isso, não só fora assaltada como ameaçada de morte. Levaram-na para um beco escuro, rasgaram sua roupa e quase abusaram dela, deixando-a rendida enquanto que, na base de tapas e gritos, um homem mandava ela avisar para seu “papai” que era para parar de se meter onde não havia sido chamado. Além de perder tudo e ser quase estuprada, saiu machucada, sangrando, com o rosto inchado e completamente arrasada. Como se fosse pouco, ela ainda chegou em casa e levou uma bronca maior ainda, para depois ir para o quarto e ser solenemente ignorada pelo namorado.

Estava no fundo do poço, mas estava para piorar…

Num determinado dia, antes de ir ao colégio, brigara mais uma vez com o pai, que insistia que o problema era aquele garoto, que ele devia ter algo a ver com a ameaça. Como eles sabiam que ela estaria naquela rua, àquela hora, que era ela a filha de um importante juiz que julgava um caso que corria em segredo de justiça? Tinha de ter um informante, e só podia ser “aquele pirralho”. Ela reclamou muito, dizendo , como força de expressão, mas extremamente mal entendido pelo pai, que ele sabia da vida dela mais do que ele. Ao invés de soar como se o pai pouco se importasse com ela, pareceu que a garota disse que o namorado sabia demais sobre ela. Isto fora a gota d’água que faltava para o pai. Os detetives se empenharam como nunca em levantar os antecedentes do garoto.

Naquele mesmo dia, no colégio, ficou o dia todo procurando pelo namorado, que sempre não podia falar com ela ou estava ocupado. Ao fim das aulas ela encurralou-o, desvencilhando-se dos seguranças mais uma vez, fazendo um sacrifício enorme para ver o seu amor…

E justo quando lhe disse isso, ele enfureceu-se, dizendo que ela na verdade pouco fazia por ele.

A coitada desabou. Como assim? Ela fazia demais por ele! Defendia-o, amava-o, brigava com o pai por ele, preocupava-se com o garoto quanto ao colégio… E ele dizia aquilo? Não podia ser verdade… Enquanto as lágrimas corriam pelo rosto perfeitamente delineado e belo, ele bufou uma última vez no meio daquela briga e pôs as mãos nos ombros dela. Levantou o rosto da menina com um dedo e olhou-a nos olhos profundamente, com um ar de seriedade que até fez ela parar de soluçar.

“Precisamos conversar. Este domingo. Fique com meu caderninho e venha até minha casa, se puder. Se não, corra, para o mais longe possível, ok?”

Rapidamente ele se despediu com um longo e demorado beijo na boca, que ela entendeu como sendo possivelmente o último. Correu para as amigas e misturou-se a elas, como se ela tivesse demorado por ter ficado com elas. Isso enganou os seguranças, que nem ouviram ela contando para as amigas tudo o que havia acontecido. Naquele dia, para manter o teatrinho, as garotas foram até sua casa, e lá ela lhes explicou melhor. Pelo visto, ele queria que ela fosse invariavelmente, não importando se haviam seguranças atrapalhando ou não. As amigas foram contra, mas ela estava cega de amor. Só não conseguia entender a parte de correr, porém esperava que ele se explicasse…

Os dias foram passando, normais. Ela estava bem de novo com o namorado. Tudo certo, ele até havia tido vontade de ver o pai dela, conhecê-lo, para dizer que era um bom garoto, apesar do que parecia. Ela adorou a idéia, mas toda vez que comentava  como queria o encontro dos dois, ele lembrava-a de que ainda precisavam conversar na semana seguinte, não importava o que poderia acontecer. Ela ficava apreensiva, e ele explicou que queria isso porque, se os dois viessem a terminar, ele queria já ter um encontro marcado com ela, para um acerto de contas, já que sabia que uma ida à casa do pai dela poderia significar o fim. Ela assustou-se com a esperteza dele e beijou-o, agradecendo pelo fato dele ser tão atencioso. Então perguntou a ele porque tinha que correr. E ele apenas respondeu que, se ela não o quisesse mais, era para simplesmente correr dele e esquecê-lo. Ele falou de modo bobo, sem graça e incerto, e ela não engoliu a explicação. Porém ela precisava ir para casa, e os seguranças chamavam. Para evitar mais brigas, eles se despediram, e lá foi ela.

Foi falar com o pai naquele dia, sorridente. Porém foi recebida a gritos de nervosismo e raiva. O pai não só repudiava a idéia, como queria o garoto longe de sua casa. A coitada ficou sem entender, até que o pai lhe esfregou na cara um envelope cinza, além de manter segurando um envelope de carta. No envelope cinza havia um dossiê, feito pelos investigadores, sobre seu namorado. O conteúdo era terrível.

Mal sabia ela que os detetives haviam descoberto que o seu namorado era sobrinho de um homem que estava preso sob ordens do pai dela. Não sendo só isso para atrapalhá-la, ele, ainda por cima, tinha tido uma ótima relação com o sobrinho, tratando-o como um filho que nunca teve. Este homem era um traficante perigoso, que comandava toda a distribuição de drogas daquela cidade, fora outros negócios escusos. Para piorar, fora justamente quando ele foi preso que o garoto mudou-se para a escola onde ela estudava. Tudo se encaixava de uma forma assustadoramente certa…

Para somar-se à torrente de tragédias, o pai deu a ela o envelope de carta, entregue a ele no dia que ela havia sido assaltada e ameaçada. Ele continha uma folha em branco com recortes de letras, que juntas formavam uma frase assustadora.

“Não se meta onde não é chamado, ou pode acabar perdendo sua querida princesinha, toda machucada…

Ou pior.”

Ele ainda tinha numa gaveta um gravador, que continha uma fita com grampos da polícia onde pessoas tinham ligado para ele por três vezes para ameaçar de sequestrá-la.  Todos os dias foram os que ela havia se desvencilhado dos seguranças… Para estar com o namorado.

Seu mundo havia caído. Apenas assentiu com a cabeça para o pai, em silêncio, e foi para seu quarto.

As memórias pararam de passar em sua mente quando avistou o aeroporto de longe, após um grande campo coberto por grama e umas poucas árvores. Era para lá que tinha que ir, o último lugar onde poderia se refugiar. De fato, só sabia que havia um aeroporto depois da reserva florestal porque, no caderninho que estava em sua mochila e que havia sido deixado pelo seu ex, havia um mapinha desenhado à mão, indicando a localização e as referências. Ele fazia trilhas por ali, então sempre anotava estas coisas para não se perder. E ela agradeceu aos céus pelo caderno dele ter ficado lá. Isto a fez ficar triste e lembrar-se novamente do ocorrido antes de star naquela situação.

No dia depois de ler o dossiê e ver a carta ameaçadora, começou a evitar o namorado. Tinha agora medo dele. Sentia que não mais o conhecia… Chegou até mesmo a conversar com um outro garoto, que entrou na escola na mesma época que seu “namorado”, e que curiosamente também havia se interessado nela. Este chamou-a para sair mais tarde, algo que ela fez questão de aceitar na frente do namorado, em pleno pátio do colégio, no horário de saída. Após uma crise de ciúmes dele, ela simplesmente levou-o para um canto e, sendo o mais direta possível, falou para ele da forma mais seca que encontrou.

“Eu já sei quem você é.”

Ignorando os gritos de protesto dele, ela deu-lhe costas, enquanto que ele lhe chacoalhava os ombros e pegava em sua mochila, balançando-a. Seus seguranças, ouvindo os gritos, adentraram no pátio, separando os dois. Ela, de forma fria, deu a mão ao menino, tremendo, mas ignorando o choro desesperado do seu amor, que só conseguia gritar, de forma triste e lamentável, “Não se esqueça do meu pedido! Domingo, por favor! Não passe das 10!”.

Depois da saída e de ir ao encontro com o garoto, mal lembrava-se do que tinha acontecido consigo. O incidente do horário da saída e a briga com o ex haviam sido numa sexta, e naquela tarde era fora sequestrada levando uma pancada na cabeça enquanto andava com o garoto novo. Ficou em cativeiro pela sexta a noite e pelo sábado todo, até que viu em sua mochila, num dos raros momentos de lucidez – havia ficado sem comer por todo aquele tempo – , o celular do ex namorado. Ligou para ele desesperada, que não atendeu. Com medo, ela apenas chorou, até que ouviu uma voz parecida com a do ex. Ao ir até a porta, esta se abriu, mas ninguém estava do outro lado. O cativeiro estava vazio. Ela agradeceu infinitamente por ter delirado em ouvir a voz do ex, e então seguiu cativeiro adentro.

Quando passou por uma saleta vazia, apenas com uma tv ligada, ouviu o noticiário. Caiu de joelhos ao ver que a manchete era que o carro de seu pai havia sido metralhado completamente por um carro, e que os criminosos haviam fugido. Mais que isso, a manchete seguinte era sobre seu sequestro, e os principais suspeitos eram seu ex namorado e o garoto que havia saído com ela. Na reportagem, dizia que o ex estava foragido, mas que o outro havia sido preso, tendo confessado ser na verdade parte da quadrilha do tio do seu ex, apenas tendo entrado no colégio dela para sequestrá-la e tirar o pai dela do caso que julgava. Porém, algo na quadrilha dera errado, e além dela ter sido sequestrada, resolveram por executar o pai dela, e em seguida vendê-la para alguma quadrilha de prostituição no exterior. Não aguentando mais ouvir aquilo, correu o máximo que pode para uma reserva florestal perto dali, sem nem olhar para trás, esquecendo até de agradecer pelo descuido dos sequestradores.

Correu até a floresta e então, duas horas depois, parou para descansar. Chorou por uma meia hora, mas logo decidiu se acalmar e dar um jeito de fugir dali. Eram 10 horas da manhã de domingo, e ela mal sabia onde estava. Tinha apenas a mochila, e resolveu ver se ali tinha algo. Enquanto remexia à procura de um sanduíche que sabia que tinha de estar ali, viu um caderninho do ex namorado. Lembrou-se de tê-lo pego na quinta feira, antes de descobrir o que ele era. Gritou de felicidade quanto viu vários mapas das trilhas que ele fazia com amigos por aquela região, sendo um deles levando diretamente de um ponto por onde ela havia passado na fuga até um aeroporto próximo. Apertou o caderninho contra o peito, o que fez um pequeno papel dobrado cair no chão. Olhou-o e surpreendeu-se com o que era.

Uma passagem de avião para uma cidade próxima, tendo grampeada em si 5 notas de cinquenta reais.  Olhou o destino e viu que era para a cidade onde alguns parentes seus moravam. Arregalou os olhos e assustou-se. Logo lembrou-se de ter dito ao namorado que lá morava uma avó sua, e que ia sempre para lá nas férias. Com os olhos cheio de olheiras, correu até o aeroporto, disposta a fugir da cidade o quanto antes.

Chegou então ao aeroporto, vendo tudo o que tinha acontecido com ela até agora passar por seus olhos. Segurava a passagem em uma mão e o celular do amado, ainda confusa por ter tudo aquilo preparado para uma fuga dela. Até que então entendeu que era tudo perfeito demais. Parou no meio do aeroporto, olhando para o nada. Usava um casaco com capuz que cobria sua cabeça. Enquanto sentava e pensava, olhou para uma televisão. O jornal falava sobre o caso do carro do pai dela baleado, dizendo que o juiz estava bem, respirando, mas apenas preocupado com a filha.

Com as lágrimas nos olhos, quase não viu três homens entrando no aeroporto, sendo um deles seu ex namorado. Levantou-se confusa e correu para o terminal de embarque. Correu o máximo que pode, enquanto eles percebiam a presença dela e começavam a correr para onde ela estava.

Chegou ao terminal de embarque e guardou o dinheiro preso às passagens, entregando para a mulher o papel e entrando. Correu enquanto pode, e quando entrou no avião, pode ouvir tiros sendo disparados pelos homens em direção a ela. Os seguranças do aeroporto responderam também a tiros, enquanto ela corria pelo corredor da aeronave. Tropeçou nos próprios pés e deixou o celular do amigo cair no chão. Entre a tampa da bateria e o aparelho, viu um pedaço de papel. Sentou-se em sua cadeira, do lado da janela que dava para o terminal. Lá, podia ver o ex, pulando em cima de um dos homens para atrasar sua fuga e tomando um tiro. Então, ele ficou caído no chão e com o braço sangrando. Ela começou a chorar e então o avião levantou voo, enquanto ela batia na janela, gritando, deixando o papel com a letra escrita a mão cair no chão, com os dizeres quase ilegíveis.

“Amor;

Eu descobri o que aconteceu. Cuidado, pois há em nosso colégio alguém que quer sequestrar você. Eu sei porque descobri ao começar a andar com ele. Não te direi quem é, mas farei com que não ande com ele. Ele é perigoso. Ele tem um sobrenome igual ao meu, mas nem meu parente é. Porém o tio dele é perigoso, e está envolvido com seu pai no caso que ele julga. Ele está aqui a mando do tio para sequestrar você e tirar seu pai do caso.

Se você for sequestrada, espero que leia isso e pegue a passagem que deixei junto ao meu caderno. Você já deve ter me confundido com o verdadeiro informante… Mas enquanto estiver bem, eu ficarei feliz. Eu sei exatamente quando o sequestro será feito, por isso, se eu não conseguir te proteger dele, corra o máximo que puder, como eu havia te dito naquele dia… Não importa o que acontecer comigo, eles estão atrás de você, então fuja. Eu já sei quem é o informante, por isso ficarei com ele até o maldito ser preso. Tentarei estar no aeroporto no dia da sua fuga. Se eu não te ver, eu darei meu jeito de ir te salvar no cativeiro. Não pude estar lá, seus seguranças já estavam na minha cola… Mas eu armei toda a sua fuga. Se você estiver lá, eu cobrirei você, de longe. Espero que você fique bem…

Este foi o meu sacrifício para você, pelo seu bem.

Eu te amo.”

Era uma vez… [1]

•27/02/2010 • 2 Comentários

Era uma vez, num lugar distante

Numa terra longínqua e há muito esquecida…

Uma princesa bela e encantada

Apaixonada por um príncipe, por toda a sua vida.

Ela sempre ouviu histórias

De príncipes vindo a cavalo…

Desposar suas princesas

Ficando para sempre ao seu lado…

E ela esperava

Que assim também fosse com ela!

Já tinha o seu amor…

Um príncipe de um reino próximo, que já a conhecia!

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Entenda… Acabou!

•23/02/2010 • 5 Comentários

Hoje eu estava aqui, em paz, sentado no meu computador quando as pessoas da casa que assistem a novela deixaram a TV ligada e saíram do cômodo. Eu até já estou acostumado, e com isso acabo absorvendo o que se passa nas novelas, telejornais, programas como BBB, filmes e seja lá o que deixarem passando. Exatamente hoje deixaram a televisão ligada na novela das 8 (que curiosamente passa às 9, coisa que nunca entendi) e estava aquela Luciana a falar com a mãe e umas amigas. Papo vai, papo vem, aquela futilidade clássica das novelas, até que tocam no assunto do fim do namoro da personagem. Uma das mulheres na sala era a mãe do ex namorado dela, o que acarretou naquele cima chato de ex-tudo (ex-sogra, ex-intimidade, ex-vida juntos, tudo por causa de um ex-namorado). Nessas surge o assunto de voltarem ou não, amor, etc, e a mãe do ex revela que o filho anda mal, chateado, triste, etc. Eis que Luciana, no auge de sua tetraplegia mal atuada, solta a seguinte frase: “É… Eu também estou triste, ainda gosto dele, mas é isso ai, acabou.”.

É isso ai… Acabou.

A cena continuou com a mãe do cara falando sobre como ele ficava mal, até emocionado ao ver umas fotos da Luciana. A personagem rebate com uma frase parecida com a de antes e tudo continua. Sinceramente eu não sou de ver novela, pois não gosto do estilo de história (apesar de que o senhor Manoel Carlos, apesar de usar uma fórmula antiga, tenho que admitir que é um gênio em suas tramas, mas por motivos que não rendem assunto neste post).  Só que essa cena em especial retratou uma cena muito comum em relacionamentos, que é justamente quando um namoro acaba. Não é o acabar em si (eu já estou pensando em tirar o diploma de Doutoramento em ex-namorado, mas enfim), é a postura de Luciana que me assusta, e que, infelizmente, é a postura de uma maioria esmagadora de mulheres. A postura do “É, to triste, ainda amo ele,  mais acabou” é terrivelmente comum, e não sei como pode assustar só a mim.

Excluindo aqueles namoricos de meses ou semanas,  aqueles onde as pessoas ficam juntas não por se amarem, mas por estarem bem juntas, confortáveis e felizes (isso sendo conscientes ou não dessa não existência de amor), ou quaisquer outras circunstâncias onde não envolva por parte dos dois lados do relacionamento um amor real, o fim de um namoro deveria ser motivo de desespero para os dois lados. Eu assumo que sou um romântico incurável e infinitamente dedicado aos amores que me aparecem, portanto até pode ser que minha opinião sobre isso seja um pouco influenciada por esse idealismo meio besta. Mas, o motivo pelo qual o fim do relacionamento deveria ser caótico para as duas partes é justamente pela existência de um amor que moveu as duas pessoas para ficarem juntas. E eu já deixo bem claro que falo de amor mesmo, não aquele gostar, aquele gostar-quase-amar, aquele gostar-muito-mas-não-sei-se-te-amo, ou quaisquer outras coisas que não sejam amor de fato.

Num relacionamento movido a amor de verdade, o simples fato do término poder ocorrer deveria ser motivo de pânico, de desespero, de temor… Pode até ser que não ocorram esses sentimentos (sim, eu sei que soa teatral falar dessa forma, mas enfim), mas pelo menos um MEDO do fim deveria existir, e não essa postura estranha de “é, acabou, ainda nos amamos, mas vamos em frente”. O que eu quero dizer é que, em relacionamentos onde AS DUAS PARTES juram um amor infindável em sua existência juntos (e esse amor existe de verdade), a simples menção do fim deveria NO MÍNIMO incomodar, e não ser uma vaga possibilidade. Mais que isso, em meio à crises da relação ou quaisquer outras situações de desentendimento do casal, a menção do fim deveria ser algo que automaticamente ligaria o botãozinho de simancol na cabeça dos dois, para eles dizerem “Ok, erramos, vamos esquecer o que aconteceu e reparar os erros / desentendimentos / mal-entendidos”. No caso dessa Luciana eu nem sei ao certo o que levou ela a terminar com o namorado, mas bem sei que os dois tinham anos juntos, e como toda a novela o amor declarado pelos personagens é sempre o mais puro e verdadeiro, ou seja, próximo ao que pessoas reais podem sentir, a postura dela foi a mesma postura estranha que eu vejo as mulheres continuamente assumirem.

Pode até ser que a personagem tivesse seus motivos. Até onde sei o irmão do namorado dela era doido para passar o rodo nela, e ela bem deixava umas brechas para isso (enredo fraco e clichê), mas o que eu quero focar de fato é a POSTURA que as mulheres assumem quando encontram o fim de um namoro. O que eu mais vejo é essa velha história: “Eu ainda te amo, mas temos que acabar”. Ok, se ainda ama, porque tem que acabar? Até onde eu sei o amor é o tipo de sentimento que nos faz superar qualquer problema – e isso NÃO é dito de forma figurativa ou teatral – para querer ficar junto da outra pessoa, sobretudo para deixá-la feliz. Porém eu estou até me cansando de ver as mulheres dizendo que AINDA amam, mas que não dá mais. Ora raios, o amor sempre nos foi veiculado como sentimento supremo, mais sublime, mais bonito, praticamente o motor da felicidade em uma vida, e isso de fato É verdade quando o amor é aproveitado e usado de uma forma boa, ou seja, ser feliz com e pelo outro. Quando uma pessoa me diz que ainda ama, mas que não dá, eu só posso pensar numas poucas alternativas: Ou não ama mais e não tem coragem (ou maturidade) de assumir isso para o outro ou não quer mais manter o relacionamento por algum motivo egoísta e resolve jogar fora o amor que os dois têm.

Eu faço questão de dizer as coisas dessa forma tão direta e categórica, enfatizando que ambas as alternativas são ruins, mal-escolhidas e ridículas basicamente porque é o que eu MAIS vejo acontecer. Eu sou um cara muito observador das coisas, sempre estou ouvindo o que me falam, tento sempre exercitar o “se colocar no lugar do outro”, tento sempre achar falhas na minha argumentação… Enfim, eu tento sempre não ficar restrito a um ou dois pontos de vista. E depois de muito pensar, eu só consigo chegar a essa conclusão. Na minha cabeça é uma coisa muito simples: Quando você ama alguém, não existe absolutamente nada que te impeça de ficarem juntos se vocês querem. É exatamente isso que leram, a frase se explica sozinha e cobre os dois exemplos que dei ali em cima para o fim clássico “ainda te amo mas acabou”.   Obviamente eu falo de pessoas saudáveis e que não sofrem de distúrbios psíquicos de nenhum tipo (obcessão, transtornos ligados ao humor, etc) tampouco distúrbios biológicos que possam porventura atrapalhar o entendimento dela de realidade, logo não tem como existirem desculpas. O amor é um sentimento que, quando existe, não pode ser deixado de lado. Quando alguém coloca o amor em segundo plano num relacionamento é porque ele não existe mais. Quando se ama de verdade e se quer ficar junto, não existem barreiras para um relacionamento. Amor de verdade é cegante, dói, deixa você louco, sem sensatez, mas ele é assim mesmo e não tem nada de melhor que isso.

“Amor Impossível” só existe em casos muito específicos (não necessariamente raros) onde os meios sociais, financeiros, familiares e pessoais REALMENTE impedem um casal de ficar junto. De resto, todo o amor é possível. E atentem para o detalhes: I – Não estou dizendo que o amor não pode deixar de existir. É uma situação completamente plausível de se existir, e essa sim seria uma alternativa viável para uma mulher usar a fatídica frase “te amo mas acabou, é isso ai”. Porém, vejam que quando o amor acaba em uma das partes, a relação deixa de ser a que eu citei acima, onde duas partes se amam de verdade. II – Não estou citando influências de terceiros ou de fatores alheios ao casal. Supondo que um homem viaje e conheça uma mulher sei lá, nas Filipinas. Os dois querem e os dois se amam, mas se eles não puderem ficar juntos por falta de grana, por exemplo, não significa uma barreira de fato. Estou citando relacionamentos onde ficar junto ou não só depende de vontade e amor. Fatores como dinheiro, família, religião, esses sim são passíveis de uma análise da situação. Mas numa opinião muito pessoal, eu ainda acho que o amor quase sempre é viável, só depende de um esforço das duas partes.

Isso porque eu nem citei o depois, quando a coisa finalmente acaba e as mulheres, não satisfeitas com o discurso capenga acima citado, mandam aquela segunda frase clássica (que só não é mais clássica que a outra porque algumas mulheres simplesmente fogem da merda que fizeram): “Tinha que ser assim, não tínhamos o que precisava para dar certo… Mas você vai achar outra pessoa e vai me esquecer!”. Eu nem pretendo comentar essa frase muito, mas só atentem para o detalhezinho que passa desapercebido: A pessoa que fala isso OU não ama mais o sujeito OU já tem outra pessoa, POR ISSO é fácil pra caralho dizer pra ele que aquele amor todo que ele sente “vai passar”! É quase como um cara podre de rico dizer pra um favelado “Ai cara, ce tá fodido mas calma, vai melhorar!”!

Eu sinceramente me assusto com isso por mil motivos. Não só pela quantidade de vezes que já vi alguém dizendo como pela vez que já ouvi, como pela naturalidade que se diz essa besteira, como pela falta de vergonha na cara das mulheres em agirem de uma forma tão boba como essa com algo que elas mesmas dizem ser tão importante (amor e relacionamentos), como pelo fato de que isso parece que NÃO vai mudar enquanto as pessoas não mudarem seu modo de ver relacionamentos… Ficar culpando o amor por ele ser complexo, difícil de entender, ir e voltar, culpar a situação, culpar o outro, exteriorizar o peso de uma relação pra uma miríade de outras coisas, isso não ajuda. Uma boa dose de bom senso sim, isso ajuda. Ter vergonha na cara pra dizer “Olha, não te amo mais”, ou dizer “Olha, eu não quero mais por x, y e z motivos”, parar de fugir da situação, isso sim ajuda. E eu posso citar esses exemplos específicos com muita certeza de acertar, porque esse tipo de fim de namoro “te amo mas acabou” é, na maioria esmagadora dos casos, muito igual no seu desenvolvimento e término.

PS: Caso você esteja lendo, isso NÃO é uma indireta a você, pode ficar tranquila. 🙂

O poço mais profundo

•21/02/2010 • 2 Comentários

Era uma vez um lugar muito, muito distante de onde você e eu estamos agora. Este lugar era um continente enorme, colossal, maior do que todos os que já foram vistos. Ele era completamente plano, exceto por um único ponto verde, que era uma colina normal, não maior que uns cinquenta metros para o alto, completamente coberta por grama. Ao redor dessa colina verdejante e irreverentemente erguida bem no meio de um deserto, jazia uma podridão árida e vazia, uma profusão de uma não-vida tão vasta e desolada que poderia até mesmo se chamar de morte. Para completar, ao redor das montanhas absurdamente altas e perigosamente talhadas em milhares de pontas e agulhas de pedra, encontrava-se o mais vasto e escuro oceano do mundo, até mesmo de todos os mundos, tão salgado que nada ali conseguira até então permanecer um pouco mais que uns instantes sofridos e insanos até perecer ironicamente ressequido no meio de tanta água. Água esta dotado de uma coloração tão escurecida que poderia-se até mesmo duvidar se era mesmo água. Só se desconfiava mesmo ser esta substância pois a cor das chuvas que assolavam aquela região inóspita era a mesma dos oceanos, e chuva não podia ser de outra coisa senão água, nem que da chuva a água fosse a milésima parte constituinte.

Ao longe daquele continente perdido, qualquer um poderia notar, depois do oceano salgado e das montanhas naturalmente esculpidas em formatos sinistros e letais, uma série de tempestades, dos mais variados tipos. Desde as torrenciais chuvas enegrecidas e absurdas que regavam a flora corrupta do continente até às pancadas de vento que se  transformavam em furiosos furacões sedentos por destruição e caos, passando por tão comuns mas não menos assustadoras tempestades elétricas avassaladoras, onde pareciam as nuvens vomitarem sob a superfície já devastada do continente contínuas e terríveis correntes de raios, cada uma mais iluminada e letal que a outra, e também pelas tão temidas chuvas de granizo, que faziam caírem dos céus centenas de pedras maciças de gelo, também obscurecido pela água podre, que mergulhavam rasgando os céus disputando espaço com os raios até atingirem o chão e abrirem pequenas crateras na areia do deserto morto, para rapidamente derreterem e serem recobertas por mais areia e gelo.

O que conseguisse atravessar os mares bravios que impediam o avanço de qualquer coisa e os fenômenos atmosféricos naturais que garantiam que nada consciente e com bom senso se aproximasse teria que atravessar as tão altas e assustadoramente perigosas montanhas, que pareciam terem saído dos pesadelos dos mais doentes e perigosos homens ensandecidos. Elas formavam um cinturão titânico naquele continente, como se ali tivessem sido postas para que nada nem ninguém se preocupasse sequer em saber o que havia naquele lugar. Caso alguém quisesse gastar toda uma dose de sorte que tivesse ganho em vida para tentar a travessia naquelas montanhas da loucura teria que enfrentar a segunda parte perigosa, a descida tão mais íngreme que a subida que fazia praticamente parecer que o caminho até a terra firme – na verdade um punhado de areia morta e sem vida nenhuma – era realmente um salto para a morte, ou até mesmo o caminho para o Inferno, já que a altura era tão imensurável que era impossível se enxergar o chão. Dizia-se que do alto das montanhas da loucura era possível ver as nuvens como se fossem um chão caótico e tempestuoso.

Caso alguém sobrevivesse à queda monstruosamente vertiginosa, teria seu impacto amortecido – ou quem sabe piorado – pela areia gélida e estranhamente cortante que formava o chão daquele continente vasto. Eram quilômetros e quilômetros de um deserto puro, no sentido total da palavra: uma imensidão de nada tão grande, uma ausência de movimento tão estarrecedora que podia-se jurar que o lugar estava morto, não só no sentido figurado mas também no sentido real. Tudo ali, desde o vislumbre insano do continente à distância, as tempestades, a escalada e a descida, o deserto mortal e frio, a falta de luz, a completa e medonha ausência de vida, tudo parecia conspirar para que a morte pairasse no ar não só como uma sombra à espreita, mas como uma entidade viva, algo que fosse posto em seu encalço e estivesse prestes a lhe pegar num vacilo, num momento onde sua hesitação ou fraqueza pudessem revelar o instante onde você deixaria este mundo pelo metal gélido da foice dela, a morte em seu mais puro momento de êxtase e glória, quando uma vida fosse esvaída em meio a um santuário caótico praticamente erguido em seu nome.

Através dos céus enegrecidos pela noite eterna e as tempestades vis, auxiliadas pela fuga do sol aquele lugar e a mais completa e horrorizante ausência de luz reconfortante e salvadora, quem ousasse atravessar o deserto constataria que a falta de vida ali não acontecera pela morte da vida que já existia, mas sim pelo fato da vida ali jamais ter existido. A morte que pairava o continente era na verdade a mais pura e plena antítese da vida, a mais completa fonte de horror e medo que alguém poderia pensar. Nada ali se mexia, tudo parecia já ter nascido morto. Na verdade tudo ali parecia ter sido concebido para existir sem vida, sem nenhum suspiro sequer de mobilidade e vivacidade. A travessia do deserto garantia esse sentimento à medida que os raios acertavam aleatoriamente o lugar sem dó, ate mesmo contrariando as leis estatísticas comuns e acertando duas, três, quatro, cinco, até mesmo mil vezes o mesmo lugar, como se cada raio fosse assistido por outros raios e até mesmo pelas condições climáticas tão adversas do local para que aquele ponto específico do continente fosse continuamente castigado por longos minutos, até mesmo por horas, pela mesma descarga elétrica que parecia ser infinita em sua existência, fluidez e maldade. E esse fenômeno se repetia tantas vezes e em tantos lugares que o continente todo era tomado por pilares de luz morta e enegrecida. Isso porque a luz dos raios era escura, estranha, num tom arroxeado sinistro que fazia parecer que o céu escurecido azul-marinho vomitava chicotadas de raios roxos naquele chão, e as tais descargas contínuas pareciam os pilares daquele céu medonho, quase como o teto de uma redoma sinistra, enegrecida, antinatural.

Se fosse possível sobreviver à toda essa adversidade até então, quem quer que fosse o ser sortudo que chegasse ao meio do deserto da morte encontraria ironicamente, se erguendo da mais cortante e acinzentada areia uma colina verde, coberta por uma grama tão viva que parecia ser na verdade um tapete, provocantemente convidativo às passadas tão alegres que o sobrevivente de tal lugar inóspito provavelmente pensaria em dar. Caso ele o fizesse, a colina se revelaria muito confortável à caminhadas, com uma terra fofa e gostosa de se pisar, diferentemente da rocha que se achava no fundo das areias mortais. Caso um desavisado deixasse de prestar atenção, afundaria quase um metro na areia cortante, encontrando um novo chão, tão sólido e duro que machucava quem quisesse pisá-lo. Mas na colina o andar era convidativo e permitido, com muita tranquilidade.

Aquele que subisse os cinquenta metros da colina encontraria um poço velho e abandonado, porém com todo um charme rústico que se destacava daquele lugar com uma clareza quase obrigatória. O problema era que o poço, ladeado por tiras de madeira e cavado na rocha pura, na verdade não abrigava um veio de água límpida, como era de se esperar. Tolo aquele que achava que a colina fosse um baluarte de sanidade e conforto em meio ao caos rompante e maligno que fazia a atmosfera sinistra daquele lugar. O poço na verdade era o últimos dos terrores do continente todo, senão o terror inteiro do continente, a causa primordial para a existência, nascimento e sustentabilidade de todo aquele ambiente sinistro e mortal. No fundo do poço jazia à espreita a morte em sua forma mais terrível.

No fundo do poço havia um homem.

O poço não era fundo, o que tornava possível ver, mesmo com a pouca luz do local, o homem maltrapilho que ali vivia sentado. Este apresentava cabelos enormes e e enrolados em cachos grandes e caídos. Possívelmente usava uma barba pelo mesmo motivo dos cabelos grandes – o isolamento – mas essa já se era difícil de se constatar. Mal se notavam as roupas dele, tampouco suas estampas ou acessórios. Na verdade, mal se notava o homem, apenas se sabia que ele estava ali por causa do murmurar quase constante dele, um lamentar cíclico e estranho, quase como se fosse inerente àquela figura mal cuidada sofrer e lamuriar-se daquela forma contínua. O homem, na verdade, estava em silêncio, e aquele som que se ouvia era o eco de seus pensamentos, que fugiam de sua mente e ali, naquele lugar de morte, conseguiam ganhar terreno e escapaz para a realidade, por alguns poucos segundos suficiente para serem notados e entrarem na cabeça de outras pessoas que ali se aventuravam, dessa forma tomando as mentes deles e ali se procriando, espalhando suas sementes e recriando-se nos outros, mantendo-se vivos e ativos.

O homem era, na verdade, a expressão máxima da depressão e da dor. Não se sabe pelo que havia passado, mas havia nele um sofrimento tão grande que este foi crescendo, no começo lenta e vagarosamente, mas aos poucos atingindo padrões de desenvolvimento exponenciais, como se cada mais sofrimento que aparecesse gerasse o dobro, o triplo, talvez até o quádruplo de sofrimento que já havia antes de mais aparecer. Isso foi tomando uma forma tão sinistra que envolveu o homem aos poucos, tornando ele parte do que é hoje. Isso é apenas o começo, pois seus exílio se tornou tão necessário à medida que o sofrimento ia crescendo que ele foi para muito longe, tão longe que ninguém mais sabia onde ele estava. E toda a dor dele, tudo o que ele sofria, todo aquele sentimento negativo reprimido o cercou e criou aquele continente. Primeiro suas lágrimas, tão salgadas e repletas de dor que saíam dele quase que expulsas pelo fraco corpo humano, criando aquele oceano de sofrimento e lamentações que impedia até mesmo a vida mais forte de crescer e se desenvolver ali. Depois, suas rejeições e medos, suas decepções criaram as montanhas, tão letais por causa de seu medo de ser machucado que pareciam uma fera arisca com medo de ser ferida, mostrando suas garras antes que fosse tocada. Elas subiam tão alto e desciam mais fundo ainda apenas para deixar claro que as defesas inconscientes daquele homem eram tão grandes que não poderiam ser subestimadas e entendidas. Em seguida veio o deserto, vindo já morto à existência a partir dos sonhos perdidos e despedaçados dele, sendo na verdade restos imundos e podres de idéias, ideais, sonhos e planos que ruíram ao som da mais pura e completa decepção, formando a cobertura cortante e árida daquele chão duro e implacável, que era o fim de todas as quedas que ele sofria por confiar e acreditar em algo ou alguém. As tempestades eram fruto do ódio reprimido, da raiva mortal que ele sentia por tudo e por todos, que não abrigaram ele em seu mundinho feliz e alegre. Elas sempre aconteciam, sempre tinham existido, mas ali ganhavam um habitat propício a se consagrarem como parte natural daquele continente conspurcado pela depressão daquele homem desolado. Por fim, uma única colina, como o último bastião de sanidade, algo como o que sobrada de humano nele, sendo na verdade um exemplo de como a vida é: atravessar mares revoltos, montanhas inacessíveis e perigosas, atravessas desertos sem vida e envoltos pela morte, tudo para chegar num poço e achar nada menos que algo pior que você, e algo que provavelmente você acabará igual quando terminar sua vida. Tudo ali remetia aos fracassos daquele homem, aos medos, desesperos, sofrimentos, tudo era fruto dele.

Tudo era fruto de uma mente caótica e depressiva, imersa num mar de melancolia e sofrimento.

Dizia-se que tudo era fruto da mente dele, na verdade. Alguns até diziam que tudo aquilo era a mente dele. Não se sabe ao certo porque o homem, fosse isolado no poço mais profundo do lugar mais distante, morto e inóspito ou acessível para uma conversa apenas com alguns passos e uma procurada no lugar certo, parecia na verdade inacessível por meios humanos, quaisquer que fossem eles. O abandono que ele havia sofrido inúmeras vezes o tornara frio, sofrido, amedrontado, e sua humanidade lhe fora sugada até a última gota, tornando tudo, menos humano. Dessa forma, ele permanecia distante de tudo e todos, apenas acessível para que quem ousasse se aproximar para entendê-lo e quem sabe tentar uma aproximação. Fosse pelos meios que fossem, desde uma exploração heróica e épica através dos mais terríveis lugares da terra ou uma simples abordagem a um homem depressivo e sofrido, chegar no fim da colina para perceber que aquele pedacinho de esperança ainda estava ali, ruído, mas abrigando o avatar da mágoa suprema era algo que poucos entendiam. Muitos menos eram os que se aventuravam a olhar mais precisamente pro fundo do poço, e ainda mais raros e incomuns eram os que desciam nele para falar com o espectro de humanidade que era aquele homem. O poço mais profundo era o inferno emocional, algo que ninguém queria enfrentar, pois estender a mão ao homem seria o mesmo que entrar em seu mundo. Por isso ele ali permanecia, isolado, sozinho, apenas recebendo as visitas de nossos exploradores imaginários, apenas eles corajosos o bastante para descer no poço mais profundo.

O fim da história?

Ninguém sabe.

Ao que parece o continente ainda continua lá, tendo como fosso os mares bravios e maculados, as montanhas altas e mortais, o deserto arenoso e traiçoeiro, a solitária colina como monumento de esperança e o mesmo homem perdido e isolado, imerso em seu próprio sofrimento sem fim. Ao que parece ele lá permanecerá pelo resto de sua vida, mas a verdade ninguém sabe ao certo.

A única coisa que se sabe é que a colina ainda está, abrigando o poço mais profundo, esperando algum viajante corajoso ir visitá-la.